segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Sexualidade: Você já ouviu falar em 'crossdresser'


Folha da Região, de Araçatuba-SP

Márcia Atik
Quinta-feira - 02/10/2008 - 03h01

Márcia Atik é psicóloga e terapeuta sexual; escreve quinzenalmente, às quintas-feiras, neste espaço, como colaboradora da Folha da Região.

Recentemente, li algumas reportagens a respeito do tema "crossdresser" e fiquei instigada a comentar o assunto. A diversidade sexual e o desejo, em tempos do politicamente correto, fez com que alguns assuntos fossem colocados na prateleira dos proibidos, recheados de preconceito e tabus.

Vale a pena começar a nossa conversa conceituando "crossdresser", isto é, pessoa que veste roupas usualmente próprias do sexo oposto, sem que essa prática interfira necessariamente na sua orientação sexual.

Ela pode ser heterossexual, bissexual ou homossexual. Normalmente, não utilizam hormônios nem cirurgias plásticas para se assemelharem ao sexo oposto, o que os distingue dos travestis e dos transgêneros, pois no cotidiano portam-se segundo seu sexo biológico.

Mas como não há mentira que dure para sempre, principalmente quando mentimos para nós mesmos, e só prestarmos atenção quando temos coragem de nos ver lá no escurinho da alma e perceber que nas entrelinhas surgem sensações de espanto e desconforto quando nos deparamos desejando coisas e pessoas que se encontram fora do "script".

Essa é sempre a primeira reação de quem é "crossdresser", e isso ficou muito claro nos bate papos que tive a chance de ter com esse público.

Não raro, ocorre uma tentativa de abortar sentimentos e desejos surpreendentes, assim como todos nós, que desqualificamos abandonarmos ou agredirmos verbal ou fisicamente aquilo que meramente não compreendemos na medida em que somos fruto do meio, e o meio - por mais que lutemos - tem uma força enorme nas nossas vidas.

A convivência no espaço cibernético é a grande porta aberta para que essa experiência seja dividida, ampliada e, até certo ponto, acolhe esse desejo em muitos casos ainda não compreendidos.

Estudos apontam que mais de 90% dos casos de "crossdressers" são de homens heterossexuais.

Em todas as histórias confidenciadas, a diversidade, os aspectos pessoais, individuais estão presentes, sendo o ponto em comum as calcinhas de irmãs ou mães esquecidas no banheiro, é daí que parte a primeira experiência em usar as roupas femininas e perceber o prazer que isso dá.

Essas práticas sexuais com escolha de objetos sexuais não tão comuns para estimular o desejo é uma forma de expressão da sexualidade, calcada em repressões infantis, que persistem na vida adulta.

A prevalência desses transtornos tem poucos dados e nem é estatisticamente computada, pois geram uma grande angústia pessoal.

Além disso, as pessoas escondem ou apenas procuram ajuda pressionadas pela família.

Há estudos que colocam qualquer transtorno de preferência sexual no grupo de transtornos obsessivos compulsivos, uma vez que vivenciada a situação e realizada a fantasia, obtém o alívio da ansiedade.

Vale uma reflexão sobre o papel das roupas na nossa psique, pois as roupas ocupam uma posição fronteiriça, tanto protege o espaço íntimo como nos revela e abre para o espaço relacional.

As roupas são uma tela na qual dia após dia inscrevem-se nossos estados de espírito, sonhos, dores, alegrias e sofrimentos.

Não tenho dúvida em afirmar que as histórias ligadas à infância ilustram alguns elementos em jogo quando os pais escolhem a roupa dos filhos. A criança é vestida pela mãe.

Por meio da roupa, os pais imprimem sua marca no corpo do filho, modelando-o inconscientemente segundo seu desejo. Para Freud, saber algo sobre o adulto atual deveria ser buscado na criança que o habita, já que esta o constitui.

O fato é que a intolerância com que o mundo lida com as diversidades sexuais é proporcional à intolerância que reservamos aos nossos desejos quando esses não correspondem à imagem que fazemos da nossa vida.

Na teoria, a liberdade é um sentimento que todos nós perseguimos, mas na prática só conseguimos quando temos coragem de viver em harmonia com o que sentimos, pois quando foge do padrão somos invadidos por um vendaval de culpas, sentindo-nos imorais ou doentes.

Imoral é a sociedade que não valoriza o afeto e o desejo na construção de uma relação afetiva.

Compreender essa diversidade significa exercer a sexualidade com respeito pela própria natureza e pela dos outros.

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