quarta-feira, 8 de outubro de 2008, 09:37
Fernanda Borges
Do Diário OnLine
Ficou no passado o tempo em que vestido, salto alto e maquiagem eram acessórios exclusivos do público feminino. Os crossdressers, homens que vestem roupas do sexo oposto por satisfação pessoal, também não abrem mão das bijuterias e das longas perucas. Os CDs, como os adeptos do 'hobby' são conhecidos, são heterossexuais que possuem o fetiche de se transformar em mulher.
O termo crossdresser (vestir-se ao contrário, na tradução literal) foi importado para o Brasil em 1997, mesmo ano de criação do BCC (Brasilian Crossdresser Club), grupo cujo objetivo é reunir e dar suporte — principalmente psicológico — aos praticantes. De acordo com a presidente Kelly Neta (pseudônimo, foto), 51 anos, os CDs são homens que desejam uma identidade feminina, não significando que haja atração por pessoas do mesmo sexo. "Fazemos isso por puro fetiche, não é nada relacionado à opção sexual. No meu caso, sou hétero e muito bem casado. Porém, podem existir CDs que são homossexuais, mas isso não é regra", afirma.
O BCC possui atualmente 400 filiados, espalhados por 19 Estados brasileiros. Segundo Kelly Neta, o crossdressing é muito mais praticado do que se imagina, mas a maioria esconde o 'hobby' por conta do preconceito. "Muitos confundem a prática do crossdressing com os travestis. O que nos difere é a questão da comercialização do sexo e as alterações no corpo. Os CDs não têm nenhuma conotação sexual e não fazem modificações físicas permanentes, como silicones, uma vez que mantemos a identidade masculina", explica.
Apesar do cuidado que muitos CDs têm em preservar a identidade, alguns se produzem com peças do guarda-roupa feminino e saem às ruas sem intimidação. "Vamos a bares, restaurantes, shoppings e à praia, de biquíni e tudo mais, sempre sem invadir o espaço dos outros", explica Kelly. Para ela, mesmo com a caracterização feminina, o intuito não é se passar por mulher. "Nós temos a consciência de que não somos damas. Por isso nos vestimos apenas por entretenimento".
Os filiados ao BCC têm média de idade entre 45 e 50 anos e pertencem a diversas camadas sociais. "Têm até muita gente importante que não pode revelar a identidade por medo do preconceito e das conseqüências no meio em que vive", diz Kelly. É o caso do CD Nádia (pseudômino), 25 anos, morador de Mauá. "Todos acham que um homem que gosta de usar roupas femininas é homossexual. Esse é o meu maior medo, pois as pessoas não aceitam e confundem o fetiche com a opção sexual simplesmente por não conhecer o assunto", afirma.
No caso de Nádia, o interesse por saias e maquiagens surgiu na infância. "Eu vestia roupas da minha mãe e da minha irmã. Fazia tudo escondido. Cresci achando que era um bicho estranho, por isso tinha medo de contar para alguém".
De acordo com o BCC, Nádia é considerada um crossdresser de armário, pois não tem coragem de sair em público como mulher. Outra dificuldade para ela é assumir a opção para a namorada. "Hoje tenho um relacionamento com uma garota há quatro meses. Ela ainda não sabe, pois não sei se aceitaria. Vou conhecê-la bem primeiro, depois decido se conto", diz.
Louise (pseudônimo, foto à direita), 42 anos, de Porto Alegre (RS), também compartilha a opinião de que a aceitação por parte do parceiro é um dos principais desafios de um crossdresser. "No momento estou solteira. Só pretendo iniciar um novo relacionamento com alguém que saiba e goste de mim como CD", afirma.
Louise também tem receio de ser reconhecida como CD, mas arrisca algumas saídas. "Aqui em Porto Alegre, mesmo nos locais GLBT (gays, lésbicas, bissexuais, travestis), existem poucas crossdressers e o pessoal ainda estranha nossa presença. Eu saio mais quando viajo para cidades maiores, como São Paulo e Rio de Janeiro, pois lá existe uma diversidade maior de opções e não tenho receio de encontrar algum conhecido", explica.
Suporte emocional - De acordo com a relações públicas do BCC, Patrícia Din (pseudônimo), 53 anos, o preconceito é a barreira que impede que os CDs assumam a posição perante a sociedade. Isso gera um conflito emocional e muitas vezes o praticante precisa de ajuda. "No clube, temos uma equipe de profissionais, inclusive no ramo psicológico, que vai ajudar o CD a se aceitar e a encarar a opção com naturalidade", explica. Segundo Patrícia, o apoio da família também é fundamental. "A minha mãe sabe que sou crossdresser e aceita numa boa. Ela até já fez um vestido para mim (risos)", revela.
Mas a maioria dos CDs vive uma realidade bem diferente de Patrícia, já que nem todas as famílias conseguem aceitar o fetiche como um 'hobby' comum. Porém, existem mulheres que aprendem a lidar com a opção do parceiro. Elas são as chamadas S/Os (Supportive Opposite) — pessoas do sexo oposto que apóiam e dão suporte emocional ao CD. Nesse sentido, Kelly Neta é uma privilegiada. Sua esposa, Maria Luiza, 43 anos, acompanha o marido em todos os momentos. "Ajudo a Kelly a comprar roupas, maquiagens e tudo mais o que precisar. Encaro tudo numa boa, já que o fetiche é bacana", revela.
Veja também a entrevista que Kelly Neta e Patrícia Din concederam ao Diário OnLine:
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