Se isso a tranquiliza, o marido em questão pode continuar gostando - e muito - de mulher. Talvez ele seja apenas um "crossdresser", um homem que sofre compulsão por vestir-se como uma garota. Como já cantava Pepeu Gomes, eles juram que ser um homem feminino não fere o lado masculino.
- Às vezes começa com a calcinha, depois a sandália. Quando você vê, é um crossdresser. Tenho esse lado feminino e vivo esse momento como mulher - diz Patrícia Din, de 54 anos, Um empresário que, no dia-a-dia, esconde as unhas pintadas dentro de sapatos fechados, mas é louco por sandália de salto.
Você teria um relacionamento com um 'crossdresser'? (Clique e opine)
O verdadeiro nome ele não revela em hipótese alguma. Patrícia foi "casado" duas vezes. O primeiro casamento durou 21 anos. O segundo, dois.
- Agora, estou solteiro. O que cair na rede é peixe - diz, alertando que esse peixe tem que ser sereia. Porque ele é macho, sim senhor!
Presidente do Brazilian Crossdresser Club (BCC), Kelly Silva Neta, de 52 anos, garante que o "clube da Luluzinha", de vez em quando, tem cerca de 400 filiados. Segundo ele, a maioria é heterossexual. Outros são bissexuais. Os homossexuais são minoria. A associação quer acabar com o preconceito. Mas também trabalha pelo direito ao cabelão, sutiã com enchimento e minissaia para todos.
Fazemos um trabalho social. Muitos não sabem onde comprar peruca, maquiagem, roupa, e nem onde se montar. A regra é se esconder - diz Kelly.
É por isso que a associação mantém um apartamento no Largo do Arouche. É lá que executivos bem-sucedidos e pais de família guardam seu lado feminino dentro do armário. São 13 guarda-roupas, trancados com cadeados e identificados com etiquetas, que os transformam de "sapos" (quando estão vestido de homens) em "princesas".
- Não adianta querer entender. Eu sou feliz assim - afirma Kelly, que faz sucesso com as mulheres em suas duas versões.
Ele é advogado, casado com uma ex-modelo, pai de uma filha de 15 anos e muito "gostosa". Aos 46 anos, o "crossdresser" não mede esforço para ficar cada vez mais feminina. E tem o apoio das duas mulheres da sua vida. A universitária de 28 anos, com quem vive há dois anos e meio, não liga que ele saia de casa para ir ao apartamento comprado só para poder ser Márcia.
Ela também não faz restrições aos hormônios que lhe dão seios. Nem liga que o advogado, de vez em quando, saia com outros homens.
- Mas ela morre de ciúme de mulher - explica Márcia, que fez depilação a laser em todo o corpo e lipoescultura.
Até a filha de 15 anos convive bem com as novas formas do pai. Os dois vão juntos à praia de biquíni. E, como uma amiga mais velha, ela ensinou a adolescente a andar de salto e a se maquiar.
- Fiz curso de maquiagem - explica ele, que no apartamento de Márcia mantém uma cômoda lotada de batons, bases e outros produtos de beleza, todos importados e selecionados a dedo para causar.
Márcia é uma "mulher" extremamente vaidosa. Tem bom gosto para sapato, bolsas e roupas.
- De vez em quando minha mulher vem aqui pegar umas - diz, sem deixar de esconder o ciúme de suas coisas.
O advogado, no entanto, é um homem desleixado. Ao tirar a roupa de mulher, se enfia numa calça jeans surrada, uma jaqueta de couro e amarra o cabelo sem nenhum cuidado. Os gestos delicados ficam brutos. A exuberância feminina se torna uma versão masculina tímida. E ele pergunta: "Sou mais bonita de Márcia ou assim?"
Se os "crossdressers" dizem que gostam de mulher, qual é a graça de parecer uma? De acordo com a psicanalista Eliane Chermann Kogut, eles se excitam com a própria figura feminina.
- O objeto do amor não é o outro. É a mulher que ele se torna - explica Eliane, cuja tese de doutorado em psicologia clínica pela PUC-SP trata do comportamento "crossdressing".
Segundo ela, existem diversos níveis da prática. Desde aquele que curte usar a calcinha da mulher na hora do sexo até homens como Patrícia, Kelly e Márcia, que precisam se vestir de mulher às vezes para dar uma volta na rua.
- É uma compulsão. Não é que eles querem se vestir de mulher. É uma necessidade. A ansiedade atinge níveis altíssimos - explica a psicanalista, dizendo que, embora não haja pesquisas conclusivas, estima-se que essa compulsão de se vestir como o sexo oposto atinja de 0,5 a 3% da população mundial.
Em geral, os "crossdressers" demonstram vontade de se montar a partir dos quatro anos.
- Comecei usando roupa da minha mãe e calcinha da minha irmã - diz Thais, um técnico de informática de 33 anos.
- Por muito tempo achei que fosse gay, mas só de pensar em homem eu tinha asco - afirma ela, que está noivo e vai se casar em breve na igreja.
Pode parecer, mas "crossdresser" e travesti não são iguais.
-O travesti se monta o dia inteiro. O 'crossdresser' só por um período. A maioria não quer abdicar da vida masculina - diz.
Segue o link para a matéria original no site O Globo:
.