Para o site A Capa
Keila Simpson comandou a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA) por quatro anos. Nesse período, deu passos largos na luta pelo direito à cidadania. Entre as conquistas, segundo a ativista "pequenas, mas fundamentais", estão as parcerias com o Ministério da Saúde e da Educação e a criação de portarias, como a da utilização do nome social dentro do SUS e a autorização das cirurgias de readequação sexual.
Assumidamente travesti, Keila explicou em entrevista ao A Capa, a diferença entre ser travesti ou transexual, sugeriu medidas para a diminuição do preconceito e atribuiu ao Estado a culpa pela marginalização do grupo no país.
Como você avalia sua gestão dentro da ANTRA?
A ANTRA nasceu em 1993 e se consolidou em 2000, mas foi só a partir de 2004 que conseguiu ser reconhecida e se tornar referência como uma rede que abrigasse travestis e transexuais. Dentro da nossa instituição, mantemos 62 meninas. Essas travestis passaram a ter mais responsabilidade e um protagonismo maior. Na minha gestão, conseguimos articular com algumas secretarias de difícil acesso. Por exemplo a de educação, o próprio Ministério da Saúde. Hoje, a gente tem um diálogo grande com o programa nacional DST/Aids, firmamos um diálogo mais franco e formal com o Ministro da Saúde [José Gomes Temporão] e estamos consolidando uma parceria mais efetiva com o Ministério da Educação. O meu grande legado foi ter tentado e conseguido colocar a associação no cenário nacional.
A portaria 675, que autoriza a utilização do nome social por travestis e transexuais dentro do SUS, está sendo colocada em prática?
Ela está sendo executada. Qualquer travesti ou transexual que queira ou precise adentrar ao Sistema Único de Saúde (SUS), pode utilizar o nome social. Foi uma reivindicação antiga do movimento, que só foi colocada em prática graças à nova postura da ANTRA.
Qual é a principal reivindicação da transexuais e travestis hoje?
Ficou definido na última reunião que precisamos criar algumas bandeiras de luta para avançar. Uma das que a gente elencou como principal é a questão da alteração do nome. A gente já está em consonância com outros movimentos, para que a população de transexuais e travestis seja definida segundo a sua identidade social e não a civil. Então o meu empenho, juntamente com o da ANTRA nesse momento é conseguir colocar o nome social, seja junto ao nome de registro, seja sozinho.
Por que a alteração do prenome é tão importante para vocês?
A alteração do prenome vai nos fazer sentir cidadãs e é a partir desse sentimento que nós vamos conseguir vencer as outras barreiras. Se conseguirmos essa alteração, será um avanço de quem não tem nada e vai ter alguma coisa. Mas, o nosso trabalho não acaba aí, pelo contrário, ele está só começando.
A marginalização das transexuais e travestis continua grande?
Quando você pensa em travesti, você já vê logo o lado sexual da história, você não imagina que tem travestis que estão nas universidades e nas escolas técnicas se formando, sendo profissionais liberais, tendo profissões autônomas. Essas nunca constam nas estatísticas ou nos números que aparecem. A prostituição não é de todo má, mas nós podemos ter outras formas de ganhar a vida. As pessoas precisam abrir o leque e nos ver de uma forma mais ampla, caso contrário seremos sempre marginalizadas não só por nossa culpa, mas também por culpa do Estado. Se as travestis tivessem uma escola sensibilizada e acessível, tivessem familiares conscientes, que respeitassem a sua orientação sexual e identidade de gênero, elas iriam estudar e viver com a família ao invés de sair de casa.
Esses programas de inclusão de transexuais e travestis no mercado de trabalho, começa a alterar esse imaginário das pessoas?
Sim. Abre-se outra frente de trabalho. Até então, para as grandes populações de travestis e transexuais só era relegado quando não a prostituição, serviços de cabeleireiros, e outros trabalhos ligados à estética feminina.
Que dificuldades as transexuais e travestis encontram quando decidem estudar?
A escola não está habituada a ter pessoas com nome de registro masculinos e indumentárias femininas no seu corpo, isso precisa ser trabalhado. Como é trabalhado? Mobilizando o Ministério da Educação e as escolas. Quem faz isso? Gestores públicos da educação e movimento social. Quando nós conseguirmos mobilizar essas escolas para que elas se tornem um lugar aprazível e respeitoso, esses centros educacionais serão mais povoados de travestis e transexuais.
No dia 29 de janeiro passado, a ANTRA fez uma grande campanha nacional, para visibilizar a questão da criação de portarias para a utilização do nome social no âmbito da educação. O estado do Pará publicou a sua, o estado de Goiás também e Paraná e Minas Gerais estão com o Conselho de Educação sinalizado para a criação dessas portarias. Isso já é um avanço significativo.
O que é preciso ser feito para diminuir o preconceito?
É preciso primeiro a gente conscientizar a sociedade de uma maneira geral que é a vida do outro que está em questão e se alguém pede alguma coisa, é por que tem necessidade. Então, se a gente está pedindo a alteração do prenome para nos tornarmos cidadãs, é por que faz falta. Isso não vai fazer interferência na vida do outro. Pra mim ela é fundamental, para os outros não. Então por que as pessoas têm que se preocupar com o que está me incomodando?
Qual a diferença entre transexual e travesti?
Aí você me coloca numa sinuca de bico. Eu tenho receio de te falar de uma forma e genitalizar. Basicamente o que precisa ser visto é que, travestis vivem tranquila e naturalmente com sua composição corpo e mente. Já no caso das transexuais, o sexo psicológico difere do biológico e é preciso fazer uma correção, uma cirurgia.
Como as travestis e transexuais são vistas pelos homens heterossexuais?
A gente pergunta aos próprios homens que temos relacionamentos. Vamos sair, eu você e outro rapaz? Às vezes fazemos esse tipo de brincadeira, de questionamento e eles respondem: "Não, eu gosto de sair com mulher". Logo, eles nos percebem como mulher. Tenho uma tese que eu sempre defendo que é a seguinte: um homem heterossexual casado faz sexo com a sua mulher de uma maneira bem tranquila e quando ele quer transgredir um pouco, ele procura uma prostituta. Agora quando ele quer partir para o irracional, ele procura uma travesti. Porque com a mulher ele tem um pouco de pudor, com a prostituta ele vai até certo limite, mas quando ele quer ser cruel ele procura uma travesti.
Como você vê a travesti que se prostitui?
No meu entendimento, a travesti que está na rua, na prostituição, ela não precisaria ter nome e nem sexo. Ela é completamente abstrata, um instrumento de prazer, que prova e dá prazer. Muitos homens entendem que na prostituição elas estão nesse contexto.
Veja a matéria original, no site A Capa.
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Assumidamente travesti, Keila explicou em entrevista ao A Capa, a diferença entre ser travesti ou transexual, sugeriu medidas para a diminuição do preconceito e atribuiu ao Estado a culpa pela marginalização do grupo no país.
Como você avalia sua gestão dentro da ANTRA?
A ANTRA nasceu em 1993 e se consolidou em 2000, mas foi só a partir de 2004 que conseguiu ser reconhecida e se tornar referência como uma rede que abrigasse travestis e transexuais. Dentro da nossa instituição, mantemos 62 meninas. Essas travestis passaram a ter mais responsabilidade e um protagonismo maior. Na minha gestão, conseguimos articular com algumas secretarias de difícil acesso. Por exemplo a de educação, o próprio Ministério da Saúde. Hoje, a gente tem um diálogo grande com o programa nacional DST/Aids, firmamos um diálogo mais franco e formal com o Ministro da Saúde [José Gomes Temporão] e estamos consolidando uma parceria mais efetiva com o Ministério da Educação. O meu grande legado foi ter tentado e conseguido colocar a associação no cenário nacional.
A portaria 675, que autoriza a utilização do nome social por travestis e transexuais dentro do SUS, está sendo colocada em prática?
Ela está sendo executada. Qualquer travesti ou transexual que queira ou precise adentrar ao Sistema Único de Saúde (SUS), pode utilizar o nome social. Foi uma reivindicação antiga do movimento, que só foi colocada em prática graças à nova postura da ANTRA.
Qual é a principal reivindicação da transexuais e travestis hoje?
Ficou definido na última reunião que precisamos criar algumas bandeiras de luta para avançar. Uma das que a gente elencou como principal é a questão da alteração do nome. A gente já está em consonância com outros movimentos, para que a população de transexuais e travestis seja definida segundo a sua identidade social e não a civil. Então o meu empenho, juntamente com o da ANTRA nesse momento é conseguir colocar o nome social, seja junto ao nome de registro, seja sozinho.
Por que a alteração do prenome é tão importante para vocês?
A alteração do prenome vai nos fazer sentir cidadãs e é a partir desse sentimento que nós vamos conseguir vencer as outras barreiras. Se conseguirmos essa alteração, será um avanço de quem não tem nada e vai ter alguma coisa. Mas, o nosso trabalho não acaba aí, pelo contrário, ele está só começando.
A marginalização das transexuais e travestis continua grande?
Quando você pensa em travesti, você já vê logo o lado sexual da história, você não imagina que tem travestis que estão nas universidades e nas escolas técnicas se formando, sendo profissionais liberais, tendo profissões autônomas. Essas nunca constam nas estatísticas ou nos números que aparecem. A prostituição não é de todo má, mas nós podemos ter outras formas de ganhar a vida. As pessoas precisam abrir o leque e nos ver de uma forma mais ampla, caso contrário seremos sempre marginalizadas não só por nossa culpa, mas também por culpa do Estado. Se as travestis tivessem uma escola sensibilizada e acessível, tivessem familiares conscientes, que respeitassem a sua orientação sexual e identidade de gênero, elas iriam estudar e viver com a família ao invés de sair de casa.
Esses programas de inclusão de transexuais e travestis no mercado de trabalho, começa a alterar esse imaginário das pessoas?
Sim. Abre-se outra frente de trabalho. Até então, para as grandes populações de travestis e transexuais só era relegado quando não a prostituição, serviços de cabeleireiros, e outros trabalhos ligados à estética feminina.
Que dificuldades as transexuais e travestis encontram quando decidem estudar?
A escola não está habituada a ter pessoas com nome de registro masculinos e indumentárias femininas no seu corpo, isso precisa ser trabalhado. Como é trabalhado? Mobilizando o Ministério da Educação e as escolas. Quem faz isso? Gestores públicos da educação e movimento social. Quando nós conseguirmos mobilizar essas escolas para que elas se tornem um lugar aprazível e respeitoso, esses centros educacionais serão mais povoados de travestis e transexuais.
No dia 29 de janeiro passado, a ANTRA fez uma grande campanha nacional, para visibilizar a questão da criação de portarias para a utilização do nome social no âmbito da educação. O estado do Pará publicou a sua, o estado de Goiás também e Paraná e Minas Gerais estão com o Conselho de Educação sinalizado para a criação dessas portarias. Isso já é um avanço significativo.
O que é preciso ser feito para diminuir o preconceito?
É preciso primeiro a gente conscientizar a sociedade de uma maneira geral que é a vida do outro que está em questão e se alguém pede alguma coisa, é por que tem necessidade. Então, se a gente está pedindo a alteração do prenome para nos tornarmos cidadãs, é por que faz falta. Isso não vai fazer interferência na vida do outro. Pra mim ela é fundamental, para os outros não. Então por que as pessoas têm que se preocupar com o que está me incomodando?
Qual a diferença entre transexual e travesti?
Aí você me coloca numa sinuca de bico. Eu tenho receio de te falar de uma forma e genitalizar. Basicamente o que precisa ser visto é que, travestis vivem tranquila e naturalmente com sua composição corpo e mente. Já no caso das transexuais, o sexo psicológico difere do biológico e é preciso fazer uma correção, uma cirurgia.
Como as travestis e transexuais são vistas pelos homens heterossexuais?
A gente pergunta aos próprios homens que temos relacionamentos. Vamos sair, eu você e outro rapaz? Às vezes fazemos esse tipo de brincadeira, de questionamento e eles respondem: "Não, eu gosto de sair com mulher". Logo, eles nos percebem como mulher. Tenho uma tese que eu sempre defendo que é a seguinte: um homem heterossexual casado faz sexo com a sua mulher de uma maneira bem tranquila e quando ele quer transgredir um pouco, ele procura uma prostituta. Agora quando ele quer partir para o irracional, ele procura uma travesti. Porque com a mulher ele tem um pouco de pudor, com a prostituta ele vai até certo limite, mas quando ele quer ser cruel ele procura uma travesti.
Como você vê a travesti que se prostitui?
No meu entendimento, a travesti que está na rua, na prostituição, ela não precisaria ter nome e nem sexo. Ela é completamente abstrata, um instrumento de prazer, que prova e dá prazer. Muitos homens entendem que na prostituição elas estão nesse contexto.
Veja a matéria original, no site A Capa.
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