29/01/2009 - 17h30
Alessandra Saraiva é manauara e transexual. Manauara é quem nasceu em Manaus. Transexual é quem nasce com um determinado sexo, mas considera-se representante legítimo do sexo oposto. Alessandra nasceu homem, porém, desde tempos imemoriais, sentia-se mulher.
“Desde criança eu me entendia como menina”, lembra. “Os meus desejos, eles sempre foram femininos”, contou, na tarde de quarta-feira (28/01), a ativista e designer de 30 anos.
“A diferença entre travestis e transexuais é o gênero”, disse. Ela explicou que a maioria das travestis não se considera homem ou mulher. Ao contrário das transexuais que, geralmente, procuram se incluir em alguns dos gêneros. “As travestis reivindicam a sua própria definição de gênero”, resume.
Para Alessandra Saraiva, o transexual típico procura adequar “o seu sexo a sua realidade de gênero”.
Se hoje ela fala com desenvoltura sobre o tema, é bom esclarecer que não foi sempre assim. Somente aos 24 anos, quando ainda vivia na capital do estado do Amazonas, Alessandra começou a entender quem era e o que significava ser transexual. “Até então eu vivia em constante conflito existencial”, lembra a hoje balzaquiana.
O “conflito existencial” era tão grande e o “sentimento de culpa” tão arrasador que durante boa parte da sua vida Alessandra acreditou que a única solução para o seu sofrimento era a morte. Como sua família é espírita, o suícidio era algo impensável, mas ela, em muitas oportunidades, rogou para que a sua vida fosse ceifada precocemente. “Eu pedia a Deus todos os dias que eu morresse naquele dia”, contou.
A fase andrógina
A época em que mais sofreu preconceito, lembra Alessandra Saraiva, foi durante o processo de transição entre o seu antigo corpo masculino e a atual compleição feminina.
Ela classifica esse “processo” como “fase andrógina”. Após essa fase, a transexual diz que o preconceito tornou-se menos direto, mas continua existindo em determinados momentos.
Manifestações preconceituosas acontecem, por exemplo, quando Alessandra precisa apresentar algum tipo de documento no qual ainda consta o seu antigo nome.
O preconceito também varia de acordo com o lugar. “Eu sofria muito preconceito em Manaus”, recorda. A transexual, que também é formada em administração de empresas, diz que em São Paulo sempre sofreu menos discriminação do que quando comparado com o que acontecia na capital do Amazonas.
No final de 1997 e começo do ano seguinte, Alessandra fez um intercâmbio na Inglaterra durante quatro meses. Nessa época, ela começou a perceber como a sua vida poderia ser diferente fora da capital do Amazonas. “Estudar inglês foi secundário na vivência que tive em Londres”, diz.
Faz quatro anos que Alessandra mora em São Paulo. Mas antes disso, ela já havia passado alguns meses na cidade. Ela se aperfeiçou no trabalho de designer, sobre o qual, aliás, já tinha algum conhecimento, em um curso na Escola Panamericana de Artes da capital paulista.
Em Manaus, antes de se mudar definitivamente para São Paulo, ela formou-se em administração de empresas pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA).
Alessandra Saraiva namorou pela primeira vez aos 19 anos. “Foi uma relação muito tortuosa”, recorda a manauara. Mas a sua vida sexualmente ativa, lembra a designer, começou somente quatro anos mais tarde. Desde abril de 2008 ela á casada com um corinthiano de 26 anos. Embora ela odeie futebol, às vezes, acompanha o marido ao estádio.
Ela conta que conheceu o marido em um fórum de discussão virtual que tratava de questões relacionadas à sexualidade, tema que, por razões óbvias, sempre lhe interessou. “Nós nos conhecemos na internet. Nós conversamos algumas horas na internet e logo nos encontramos”, explica. Qual foi a reação dele ao saber que você era transexual? Perguntou o repórter. “Ele levou um choque”, respondeu Alessandra prontamente. Ela ressaltou, no entanto, que logo o seu futuro marido iria aceitar aquela situação com muita naturalidade.
Hoje os dois trabalham juntos na empresa de designer criada por Alessandra. O empreendimento, ainda não constituído juridicamente, já tem site e nome: Selo Próprio. A idéia, em 2009, “é formalizar” a empresa, explicou Alessandra. Graças ao seu conhecimento na área, ela criou o site da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo. Na mesma entidade, ela coordena a secretaria de travestis e transexuais (a chamada “terças trans”).
A fase da libertação
“O fato de eu ter feito essa cirurgia não foi agressivo pra mim. Foi muito libertador.” A frase anterior é de Alessandra Saraiva. No início de 2008, ela fez uma operação de mudança de sexo e, finalmente, pôde adequar-se à sua identidade de gênero. Ela descreve o pós-operatório como “altamente doloroso”: o processo de cicatrização dura cerca de um mês. Mas ressalta que desde o início ficou muito feliz com a sua decisão. “É tudo muito novo”, diz.
Por exemplo, ela conta que teve de aprender a usar absorvente e admite ter sido muito estranho quando fez xixi pela primeira vez após o procedimento cirúrgico.
Agora, ela quer adequar seu nome ao seu novo corpo. Alessandra acredita que até o final deste ano consiga a almejada mudança da sua designação. A transexual entrou com o pedido de alteração do nome na justiça em agosto de 2008.
“Já tem bastante jurisprudência nisso”, diz, confiante de que haverá uma decisão favorável ao seu caso até o final deste ano. Em 2010, quando espera já ter resolvido o problema da mudança de nome, ela pretende começar a cursar alguma pós-graduação na área de sexualidade.
Filha de pais espíritas, Alessandra tem somente uma irmã mais velha. Elas tinham gênios opostos: Alessandra era introvertida e a irmã extrovertida.
Enquanto uma ficava sozinha no quarto com os seus brinquedos, a outra tinha muitos amigos. “Nós tivemos dois momentos”, explicou. Durante a infância e adolescência, foi uma fase de pouco convívio e cumplicidade entre as duas. Foi somente na vida adulta que elas se aproximaram. “Eu tenho uma gratidão enorme pela minha irmã”, afirma.
Neste 29 de Janeiro, realiza-se em todo o país eventos para marcar o Dia da Visibilidade das Travestis, data escolhida porque há exatos cinco anos, o Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde lançou oficialmente a campanha “Travesti e Respeito.”
Para este ano, o movimento social que defende esta população lança uma campanha com o objetivo de atingir as escolas públicas para que respeitem suas identidades de gênero, pois ao deixarem de estudar, além de outros problemas, muitas travestis se tornam profissionais do sexo e se expõem à infecção do HIV.
Léo Nogueira
Confira a matéria original, no site da Agência de Notícias da AIDS, clicando aqui.
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“Desde criança eu me entendia como menina”, lembra. “Os meus desejos, eles sempre foram femininos”, contou, na tarde de quarta-feira (28/01), a ativista e designer de 30 anos.
“A diferença entre travestis e transexuais é o gênero”, disse. Ela explicou que a maioria das travestis não se considera homem ou mulher. Ao contrário das transexuais que, geralmente, procuram se incluir em alguns dos gêneros. “As travestis reivindicam a sua própria definição de gênero”, resume.
Para Alessandra Saraiva, o transexual típico procura adequar “o seu sexo a sua realidade de gênero”.
Se hoje ela fala com desenvoltura sobre o tema, é bom esclarecer que não foi sempre assim. Somente aos 24 anos, quando ainda vivia na capital do estado do Amazonas, Alessandra começou a entender quem era e o que significava ser transexual. “Até então eu vivia em constante conflito existencial”, lembra a hoje balzaquiana.
O “conflito existencial” era tão grande e o “sentimento de culpa” tão arrasador que durante boa parte da sua vida Alessandra acreditou que a única solução para o seu sofrimento era a morte. Como sua família é espírita, o suícidio era algo impensável, mas ela, em muitas oportunidades, rogou para que a sua vida fosse ceifada precocemente. “Eu pedia a Deus todos os dias que eu morresse naquele dia”, contou.
A fase andrógina
A época em que mais sofreu preconceito, lembra Alessandra Saraiva, foi durante o processo de transição entre o seu antigo corpo masculino e a atual compleição feminina.
Ela classifica esse “processo” como “fase andrógina”. Após essa fase, a transexual diz que o preconceito tornou-se menos direto, mas continua existindo em determinados momentos.
Manifestações preconceituosas acontecem, por exemplo, quando Alessandra precisa apresentar algum tipo de documento no qual ainda consta o seu antigo nome.
O preconceito também varia de acordo com o lugar. “Eu sofria muito preconceito em Manaus”, recorda. A transexual, que também é formada em administração de empresas, diz que em São Paulo sempre sofreu menos discriminação do que quando comparado com o que acontecia na capital do Amazonas.
No final de 1997 e começo do ano seguinte, Alessandra fez um intercâmbio na Inglaterra durante quatro meses. Nessa época, ela começou a perceber como a sua vida poderia ser diferente fora da capital do Amazonas. “Estudar inglês foi secundário na vivência que tive em Londres”, diz.
Faz quatro anos que Alessandra mora em São Paulo. Mas antes disso, ela já havia passado alguns meses na cidade. Ela se aperfeiçou no trabalho de designer, sobre o qual, aliás, já tinha algum conhecimento, em um curso na Escola Panamericana de Artes da capital paulista.
Em Manaus, antes de se mudar definitivamente para São Paulo, ela formou-se em administração de empresas pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA).
Alessandra Saraiva namorou pela primeira vez aos 19 anos. “Foi uma relação muito tortuosa”, recorda a manauara. Mas a sua vida sexualmente ativa, lembra a designer, começou somente quatro anos mais tarde. Desde abril de 2008 ela á casada com um corinthiano de 26 anos. Embora ela odeie futebol, às vezes, acompanha o marido ao estádio.
Ela conta que conheceu o marido em um fórum de discussão virtual que tratava de questões relacionadas à sexualidade, tema que, por razões óbvias, sempre lhe interessou. “Nós nos conhecemos na internet. Nós conversamos algumas horas na internet e logo nos encontramos”, explica. Qual foi a reação dele ao saber que você era transexual? Perguntou o repórter. “Ele levou um choque”, respondeu Alessandra prontamente. Ela ressaltou, no entanto, que logo o seu futuro marido iria aceitar aquela situação com muita naturalidade.
Hoje os dois trabalham juntos na empresa de designer criada por Alessandra. O empreendimento, ainda não constituído juridicamente, já tem site e nome: Selo Próprio. A idéia, em 2009, “é formalizar” a empresa, explicou Alessandra. Graças ao seu conhecimento na área, ela criou o site da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo. Na mesma entidade, ela coordena a secretaria de travestis e transexuais (a chamada “terças trans”).
A fase da libertação
“O fato de eu ter feito essa cirurgia não foi agressivo pra mim. Foi muito libertador.” A frase anterior é de Alessandra Saraiva. No início de 2008, ela fez uma operação de mudança de sexo e, finalmente, pôde adequar-se à sua identidade de gênero. Ela descreve o pós-operatório como “altamente doloroso”: o processo de cicatrização dura cerca de um mês. Mas ressalta que desde o início ficou muito feliz com a sua decisão. “É tudo muito novo”, diz.
Por exemplo, ela conta que teve de aprender a usar absorvente e admite ter sido muito estranho quando fez xixi pela primeira vez após o procedimento cirúrgico.
Agora, ela quer adequar seu nome ao seu novo corpo. Alessandra acredita que até o final deste ano consiga a almejada mudança da sua designação. A transexual entrou com o pedido de alteração do nome na justiça em agosto de 2008.
“Já tem bastante jurisprudência nisso”, diz, confiante de que haverá uma decisão favorável ao seu caso até o final deste ano. Em 2010, quando espera já ter resolvido o problema da mudança de nome, ela pretende começar a cursar alguma pós-graduação na área de sexualidade.
Filha de pais espíritas, Alessandra tem somente uma irmã mais velha. Elas tinham gênios opostos: Alessandra era introvertida e a irmã extrovertida.
Enquanto uma ficava sozinha no quarto com os seus brinquedos, a outra tinha muitos amigos. “Nós tivemos dois momentos”, explicou. Durante a infância e adolescência, foi uma fase de pouco convívio e cumplicidade entre as duas. Foi somente na vida adulta que elas se aproximaram. “Eu tenho uma gratidão enorme pela minha irmã”, afirma.
Neste 29 de Janeiro, realiza-se em todo o país eventos para marcar o Dia da Visibilidade das Travestis, data escolhida porque há exatos cinco anos, o Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde lançou oficialmente a campanha “Travesti e Respeito.”
Para este ano, o movimento social que defende esta população lança uma campanha com o objetivo de atingir as escolas públicas para que respeitem suas identidades de gênero, pois ao deixarem de estudar, além de outros problemas, muitas travestis se tornam profissionais do sexo e se expõem à infecção do HIV.
Léo Nogueira
Confira a matéria original, no site da Agência de Notícias da AIDS, clicando aqui.
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muito legal a matéria. a ale é fantástica ne. =)
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