quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Alessandra Saraiva: formada em Administração e Design, a transexual agora quer fazer pós-graduação em Sexualidade

Agência de Notícias da AIDS

29/01/2009 - 17h30

Alessandra Saraiva é manauara e transexual. Manauara é quem nasceu em Manaus. Transexual é quem nasce com um determinado sexo, mas considera-se representante legítimo do sexo oposto. Alessandra nasceu homem, porém, desde tempos imemoriais, sentia-se mulher.

“Desde criança eu me entendia como menina”, lembra. “Os meus desejos, eles sempre foram femininos”, contou, na tarde de quarta-feira (28/01), a ativista e designer de 30 anos.

“A diferença entre travestis e transexuais é o gênero”, disse. Ela explicou que a maioria das travestis não se considera homem ou mulher. Ao contrário das transexuais que, geralmente, procuram se incluir em alguns dos gêneros. “As travestis reivindicam a sua própria definição de gênero”, resume.

Para Alessandra Saraiva, o transexual típico procura adequar “o seu sexo a sua realidade de gênero”.

Se hoje ela fala com desenvoltura sobre o tema, é bom esclarecer que não foi sempre assim. Somente aos 24 anos, quando ainda vivia na capital do estado do Amazonas, Alessandra começou a entender quem era e o que significava ser transexual. “Até então eu vivia em constante conflito existencial”, lembra a hoje balzaquiana.

O “conflito existencial” era tão grande e o “sentimento de culpa” tão arrasador que durante boa parte da sua vida Alessandra acreditou que a única solução para o seu sofrimento era a morte. Como sua família é espírita, o suícidio era algo impensável, mas ela, em muitas oportunidades, rogou para que a sua vida fosse ceifada precocemente. “Eu pedia a Deus todos os dias que eu morresse naquele dia”, contou.

A fase andrógina

A época em que mais sofreu preconceito, lembra Alessandra Saraiva, foi durante o processo de transição entre o seu antigo corpo masculino e a atual compleição feminina.

Ela classifica esse “processo” como “fase andrógina”. Após essa fase, a transexual diz que o preconceito tornou-se menos direto, mas continua existindo em determinados momentos.

Manifestações preconceituosas acontecem, por exemplo, quando Alessandra precisa apresentar algum tipo de documento no qual ainda consta o seu antigo nome.

O preconceito também varia de acordo com o lugar. “Eu sofria muito preconceito em Manaus”, recorda. A transexual, que também é formada em administração de empresas, diz que em São Paulo sempre sofreu menos discriminação do que quando comparado com o que acontecia na capital do Amazonas.

No final de 1997 e começo do ano seguinte, Alessandra fez um intercâmbio na Inglaterra durante quatro meses. Nessa época, ela começou a perceber como a sua vida poderia ser diferente fora da capital do Amazonas. “Estudar inglês foi secundário na vivência que tive em Londres”, diz.

Faz quatro anos que Alessandra mora em São Paulo. Mas antes disso, ela já havia passado alguns meses na cidade. Ela se aperfeiçou no trabalho de designer, sobre o qual, aliás, já tinha algum conhecimento, em um curso na Escola Panamericana de Artes da capital paulista.

Em Manaus, antes de se mudar definitivamente para São Paulo, ela formou-se em administração de empresas pelo Centro Universitário de Ensino Superior do Amazonas (CIESA).

Alessandra Saraiva namorou pela primeira vez aos 19 anos. “Foi uma relação muito tortuosa”, recorda a manauara. Mas a sua vida sexualmente ativa, lembra a designer, começou somente quatro anos mais tarde. Desde abril de 2008 ela á casada com um corinthiano de 26 anos. Embora ela odeie futebol, às vezes, acompanha o marido ao estádio.

Ela conta que conheceu o marido em um fórum de discussão virtual que tratava de questões relacionadas à sexualidade, tema que, por razões óbvias, sempre lhe interessou. “Nós nos conhecemos na internet. Nós conversamos algumas horas na internet e logo nos encontramos”, explica. Qual foi a reação dele ao saber que você era transexual? Perguntou o repórter. “Ele levou um choque”, respondeu Alessandra prontamente. Ela ressaltou, no entanto, que logo o seu futuro marido iria aceitar aquela situação com muita naturalidade.

Hoje os dois trabalham juntos na empresa de designer criada por Alessandra. O empreendimento, ainda não constituído juridicamente, já tem site e nome: Selo Próprio. A idéia, em 2009, “é formalizar” a empresa, explicou Alessandra. Graças ao seu conhecimento na área, ela criou o site da Associação da Parada do Orgulho GLBT de São Paulo. Na mesma entidade, ela coordena a secretaria de travestis e transexuais (a chamada “terças trans”).

A fase da libertação

“O fato de eu ter feito essa cirurgia não foi agressivo pra mim. Foi muito libertador.” A frase anterior é de Alessandra Saraiva. No início de 2008, ela fez uma operação de mudança de sexo e, finalmente, pôde adequar-se à sua identidade de gênero. Ela descreve o pós-operatório como “altamente doloroso”: o processo de cicatrização dura cerca de um mês. Mas ressalta que desde o início ficou muito feliz com a sua decisão. “É tudo muito novo”, diz.

Por exemplo, ela conta que teve de aprender a usar absorvente e admite ter sido muito estranho quando fez xixi pela primeira vez após o procedimento cirúrgico.

Agora, ela quer adequar seu nome ao seu novo corpo. Alessandra acredita que até o final deste ano consiga a almejada mudança da sua designação. A transexual entrou com o pedido de alteração do nome na justiça em agosto de 2008.

“Já tem bastante jurisprudência nisso”, diz, confiante de que haverá uma decisão favorável ao seu caso até o final deste ano. Em 2010, quando espera já ter resolvido o problema da mudança de nome, ela pretende começar a cursar alguma pós-graduação na área de sexualidade.

Filha de pais espíritas, Alessandra tem somente uma irmã mais velha. Elas tinham gênios opostos: Alessandra era introvertida e a irmã extrovertida.

Enquanto uma ficava sozinha no quarto com os seus brinquedos, a outra tinha muitos amigos. “Nós tivemos dois momentos”, explicou. Durante a infância e adolescência, foi uma fase de pouco convívio e cumplicidade entre as duas. Foi somente na vida adulta que elas se aproximaram. “Eu tenho uma gratidão enorme pela minha irmã”, afirma.

Neste 29 de Janeiro, realiza-se em todo o país eventos para marcar o Dia da Visibilidade das Travestis, data escolhida porque há exatos cinco anos, o Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde lançou oficialmente a campanha “Travesti e Respeito.”

Para este ano, o movimento social que defende esta população lança uma campanha com o objetivo de atingir as escolas públicas para que respeitem suas identidades de gênero, pois ao deixarem de estudar, além de outros problemas, muitas travestis se tornam profissionais do sexo e se expõem à infecção do HIV.

Léo Nogueira

Confira a matéria original, no site da Agência de Notícias da AIDS, clicando aqui.
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quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

29 de janeiro - Dia Nacional da Visibilidade de Travestis, Transexuais e Transgêneros

Nota Oficial da ANTRA pelo Dia 29 de janeiro

“Dia nacional da visibilidade de Travestis”.

Of. 003/09

Salvador 26 de janeiro de 2009

Buscando respeito e reivindicando direitos iguais é que travestis e transexuais sairão às ruas nesse dia 29 de janeiro de 2009 para mostrar também que é possível viver numa sociedade justa e igualitária e num mundo mais respeitoso e digno.

Será também um dia para dizer “Basta de Transfobia”! Queremos Inclusão Social, Queremos direito a educação, Queremos vagas no mercado de trabalho, Queremos o reconhecimento da Profissão de Profissionais do Sexo, Queremos... Podemos, Queremos... Podemos, Queremos...

A ANTRA Articulação Nacional de Travestis e Transexuais vêm comemorando através das suas afiliadas o dia 29 de janeiro como o dia da visibilidade de travestis. Essa data nasceu em janeiro de 2004 por conta do lançamento da Campanha Nacional: “Travesti e Respeito já está na hora dos dois serem vistos juntos: em casa, na boate, na escola, no trabalho, na vida”.

Nesse dia 27 Trans adentraram o congresso nacional em Brasília para lançar nacionalmente essa campanha, a partir daí as 52 organizações afiliadas da ANTRA foram orientadas a sair as ruas nesse dia em todo o Brasil para mostrar as suas caras e consequentemente reivindicar, comemorar e cobrar.


Vale destacar que a iniciativa dessa campanha veio do movimento nacional de Trans e abraçada pelo Programa Nacional de DST/Aids o nosso parceiro de todas as horas e lutas, e, um dos nossos maiores incentivadores. Essa iniciativa foi executada pela primeira vez pelo Grupo Identidade de Campinas.

As instituições ainda estão se incorporando nessas atividades, mas já contamos com uma grande mobilização nacional, esse ano terá ações em todos os estados, além de contar com outros parceiros governamentais e não governamentais.

O ano passado para comemorar essa data a ANTRA foi recebida em audiência na cidade de Brasília pelo ministro da saúde José Gomes Temporão onde foi entregue um documento com várias reivindicações desse movimento.

Para esse ano a ANTRA em parceria com a ABGLT está iniciando uma campanha nacional para solicitar as secretarias de educação à criação de portarias que aceitem as travestis e transexuais adotarem os nomes sociais no âmbito e convívio escolar, iniciativa já adotada pioneiramente pelo estado do Pará.

Os estados de Minas Gerais, Paraná e Piauí estão em fase de ajustes para a criação dessa portaria e alguns outros municípios também estão trabalhando já para essa iniciativa.

Além dessa campanha que ilustrará o dia Nacional da Visibilidade de Travestis, serão organizadas pelas associações diversas atividades como: pit stop, manifestações em parques, exposições, mostra de vídeos, paralisações em esquinas e ruas com mostra e distribuição de materiais informativos e educativos, audiências com gestores públicos, mostra de vídeos, rodas de conversas, seminários e etc.

Portanto estamos solicitando aos nossos parceiros apoios na execução das nossas atividades e que tenhamos o dia 29 de janeiro de 2009 como um dia de conscientização, trocas, parcerias, mobilização, reivindicação, sucesso e comemoração.

Solicitamos às pessoas e demais organizações que se incorpore nessa luta que é de visibilidade para travestis, mas que o compromisso é de todas as pessoas.

Atenciosamente,

Diretoria da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais ANTRA
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domingo, 18 de janeiro de 2009

Transexuais terão psicólogo grátis em Ribeirão Preto

Jornal A Cidade, de Ribeirão Preto
Sexta-Feira, 16 de Janeiro 2009 - 22h20

Transexuais vão ter psicólogo grátis

WEBER SIANKAREN “Preciso desse acompanhamento para continuar vivendo”


Os transexuais de Ribeirão Preto vão ter acompanhamento psicológico gratuito, disponibilizado pelo município. A medida foi acertada na manhã de ontem, em reunião entre Secretária de Saúde, representantes da ONG Arco-Íris e transexuais.

De acordo com Fábio de Jesus, presidente da ONG, a decisão foi uma grande conquista. “Desde o ano passado, estávamos tentando esse acompanhamento, mas não fomos atendidos. Agora vejo um grande avanço para os transexuais e toda a sociedade”.

A cabelereira Karen Sanches de Faria, representante dos transexuais, conta que deixou a terapia durante nove meses no ano passado, pois não tinha dinheiro para pagar as sessões. “Estava bancando sozinha R$ 250 por mês. Preciso desse acompanhamento para continuar trabalhando e vivendo”.

A secretária da Saúde Carla Palhares Queiroz afirmou que o atendimento será realizado por uma psicóloga do Caps 3, que está sem agenda de pacientes no momento. “Além disso, vou para São José do Rio Preto para saber como é feito o acompanhamento médico dos transexuais, principalmente na questão da terapia hormonal. Ainda não temos em Ribeirão médicos preparados para fazer esse trabalho”.

Troca de sexo
O acompanhamento psicológico por dois anos é uma determinação do Ministério da Saúde para que a cirurgia de troca de sexo seja liberada. Somente depois de um laudo, que confirme a transexualidade, pode-se fazer a operação.

A transexualidade é considerada uma doença pela Organização Mundial da Saúde. Ela é classificada como um transtorno de identidade de gênero, podendo gerar até a auto-mutilação do órgão genital.

Segue o link para a matéria original, no jornal A Cidade:
http://www.jornalacidade.com.br/noticias/76521/transexuais-vao-ter-psicologo-gratis.html
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segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

"A escola não ensina a viver com a diferença", diz primeira travesti do Brasil a cursar doutorado

Por Marcelo Hailer 12/1/2009 - 13:21
Site A Capa

Luma Andrade ganhou destaque ao ser perfilada pelo jornal Folha de São Paulo, na edição do dia 4 de janeiro, que chamava atenção pelo fato de ela ser a primeira travesti do Brasil a chegar ao doutorado, o mais alto nível do mundo acadêmico.

Aos 31 anos, do signo de leão e natural do Ceará, Luma conversou com a reportagem do A Capa. Muito simpática contou o começo de sua vida nas escolas. "Eu apanhava por ficar com as meninas". Ela falou também sobre a dificuldade de uma travesti permanecer no colégio. Por conta dessa realidade, Luma resolveu levantar a tese de como é a vida das travestis no ensino público.

Para ela, enquanto não mudarem o método aplicado e não passarem a tratar bem as travestis nas escolas, pouca coisa vai mudar. "Ela [a travesti] é testada o tempo todo, é chamada de homem. Então, é muito constrangedor, isso acaba excluindo. Eu passei por tudo isso, mas ergui a cabeça e segui. A maioria não consegue", reconhece Luma. Confira a seguir a entrevista.

Em seu Estado, Ceará, você coordena 28 escolas?
Até o ano passado eram 28, hoje são 26.

Como é a recepção quando você chega a esses colégios?
No inicio foi muito complicado, a presença de uma pessoa diferente na escola ainda causa impacto, ainda não se trabalha a questão das relações interpessoais e a questão da vivência com a diferença, até porque o próprio professor não tem formação para isso. Na universidade eles não oferecem a possibilidade de se trabalhar com a diversidade, aí eles incorporam o que a escola ensina, aquilo que é chamado de normal, que é a questão de viver como hétero. E segundo [Michael] Focault, isso na verdade é um estabelecimento de uma sociedade, mas que pode sofrer alteração.

Hoje você sente que há mais respeito e credibilidade pelo seu trabalho?
A minha presença nas escolas causa estranhamento e ao mesmo tempo as pessoas têm a oportunidade de entrar em contato. Nessa oportunidade, eu tenho que passar a elas outra realidade, porque eles pensam que travesti só faz programa, que é burro, que não freqüenta escola, pois são totalmente marginalizadas.

Você desenvolve um trabalho de pedagogia nas escolas?
Trabalho na 10ª Coordenadoria Regional de Desenvolvimento de Educação e a gente trabalha na parte pedagógica. Mas acaba que nós também trabalhamos com as questões interpessoais.

Você acompanha alguns casos de alunos?
Em um caso tive que intervir. A professora estava chamando os pais de um aluno porque ele tinha um comportamento homossexual na escola, a diretora queria discutir o comportamento do aluno. Sentamos todos juntos, eu apresentei alguns casos e levei informação, pois eles não têm essa informação, a gente não pode culpá-los, pois não há trabalho na formação deles [professores]. Há necessidade de eles terem esse conhecimento, aí sim você pode cobrar.

A escola é um espaço homofóbico?
Depende de quem está a frente do colégio. A mola mestre da escola é o gestor do colégio. Se o gestor da escola é uma pessoa que não tem uma abertura para um ensino diferenciado, mais contemporâneo, uma educação mais liberta, ele vai cometer uma educação tradicional e nisso cabeças rolam, não só das travestis. Dos deficientes, dos negros... Enfim, as diferenças como um todo. Falo isso porque, quando se fala que vai trabalhar a questão dos deficientes, você acaba por excluir e não é essa a ideia. Tem que trabalhar o conjunto. O ideal é que a questão da inclusão não seja ilusória. Eles fazem assim: "vamos incluir os deficientes físicos", aí chega uma verba para se fazer as rampas. Será que só isso é inclusão? Eu entendo que não, porque isso acontece de uma maneira meio que de pena. "Ah pobrezinho da travesti e do deficiente, vamos colocá-lo na escola".

Falta uma renovação de método?
É exatamente isso. Faltam novas propostas e novos programas, ainda há muita coisa a ser feita. Estive presente na conferência nacional de educação e na ocasião ressaltei essas questões.

A sua tese trata das travestis em escolas públicas. Como você entende essa questão?
Ela é muito complexa. Primeiro, porque a travesti é homossexual. Nessa fase, que às vezes nem sabe que é homossexual, ela é muito xingada, mal tratada. Eu sei por experiência própria. Me xingavam, me batiam, porque eu só andava com as meninas... Então, se você está num ambiente que te trata mal, que não te faz bem... essa não é a proposta da escola, que tem que te fazer bem. A partir do momento que ela [a escola] não consegue fazer isso, você só vê a saída. No caso da travesti que não consegue ser chamada como gostaria, ser xingada, ser considerada um homem que se veste de mulher - e isso está no próprio dicionário: travesti é um homem que se veste de mulher -, tem que haver uma mudança nessa compreensão e nesse pensamento. Quando isso acontecer, a travesti vai se sentir incluída.

O ambiente escolar exclui a travesti?
Dependendo de como ocorrem esses tipos de atitudes citadas, exclui sim. E isso acontece com a maioria, a travesti é testada o tempo todo, ela é chamada de homem, então é muito constrangedor, isso acaba excluindo. Passei por tudo isso, mas ergui a cabeça e segui, mas a maioria não consegue, porque aí vem a prostituição que lhe oferece uma maneira de ganhar dinheiro mais rápido.

Você afirma que é preciso desconstruir a imagem da travesti que só faz programa. Como fazer isso?
Primeiro é dar a elas a possibilidade de frequentar a escola e de se sentirem bem nela. Também é preciso fazer um trabalho de conscientização na escola e tratá-las como cidadãs. A travesti está na escola exercendo um direito que é a educação. A partir do momento que ocorre uma sensibilização da escola em tratá-las como amigas. Mas, até agora não aconteceu nenhum tipo de trabalho de capacitação nacional que trate da diferença nas escolas.

Na seleção dos projetos acadêmicos colocaram o seu nome de batismo. Como você lida com isso?
Isso não me causa nenhum problema. A maioria das pessoas me chama de Luma. Agora, se você me perguntar do que você prefere ser chamada, aí sim, de Luma. Porque ela é a minha identidade. Agora estou pensando em entrar na justiça para mudar o nome.

Qual a sua opinião sobre o projeto 'Brasil Sem Homofobia'?
Ainda está muito no papel, tive a oportunidade de fazer parte do começo dele [do projeto], que também foi construído por uma travesti aqui do Ceará, a Janaína Dutra, que é uma travesti advogada. Mas assim, tem que transformar aquilo que foi idealizado em realidade. Sei que o processo é difícil, porque não depende só da gente, tem o Congresso Nacional que a maioria é fundamentalista, é uma coisa que vai demorar.

Você relata à reportagem do jornal Folha de São Paulo que houve um diretor de uma escola que espionava as suas aulas e que não queria aceitar você. Além dessa situação, você passou por algum outro tipo de constrangimento?
Não. Ele [o diretor] tinha uma curiosidade de ver o que acontecia porque não confiava. A partir do momento que ele viu que eu dominava a aula, que eu tinha um elo de amizade com os meus alunos, isso mostrou pra ele que realmente eu tinha um trabalho, aí passou a ter outro olhar, viu que era possível [uma travesti dar aula].

Como é para uma travesti, em um país preconceituoso como Brasil, chegar ao doutorado?
Eu nem sabia que era a única do Brasil, quem me disse isso foi a repórter [Kamila Fernandes] da Folha. Que bom. Que sirva de lição para as outras, e que façam disso uma coisa normal. Mas eu penso assim, qualquer pessoa, independente do sexo, tem o direito de buscar o conhecimento. Estou fazendo isso.

No momento você está namorando?
Quando eu entrei no doutorado, entrei livre. Porque não consegui uma bolsa, tenho que trabalhar, então por conta disso fica muito complicado. A gente faz como pode, né?

Fonte: Site A Capa
Para ver a notícia no site, clique aqui.
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sábado, 10 de janeiro de 2009

O Caso de David Reimer e a Questão de Identidade de Gênero

27 de Junho de 2004 às 18:03


Sérgio Telles


Há cerca de dois meses suicidou-se nos Estados Unidos um homem de 38 anos chamado David Reimer. Era tido como um dos pacientes mais famosos na história recente da medicina, dado ter sido objeto de uma polêmica experiência médica. Como não é um caso muito conhecido aqui no Brasil, incialmente farei um relato do mesmo e posteriormente farei alguns comentários a seu respeito.


A HISTÓRIA


Em 1965, na cidade de Winnipeg, nos Estados Unidos, Janet e John Reimer, um jovem casal de fazendeiros mal saído da adolescênca deu à luz a Brian e Bruce, um par de gêmeos. Aos 8 meses de idade, por indicação médica, as crianças foram levadas a um hospital onde sofreriam uma circuncisão tida como de rotina. Num episódio que nunca foi totalmente esclarecido, foi usada uma agulha de eletrocauterização ao invés de um bisturi para retirar o prepúcio de Brian, procedimento que destruiu completamente seu pênis.


Pouco depois, os pais de Brian e Bruce viram, por acaso, na televisão uma entrevista com o psicólogo Dr. John Money, da Jonhs Hopkins University de Baltimore, na qual ele asseverava que os bebês nasciam “neutros” e teriam sua identidade definida como masculina ou feminina (identidade de gênero) exclusivamente em função da maneira pela qual seriam criados Tal informação lhes pareceu muito apropriada para a resolução do problema de Brian, o filho mutilado. Logo procuraram aquele especialista, que imediatamente se dispôs a atendê-los, quando indicou uma mudança cirúrgica de sexo, que, realizada, transformou Brian numa menina, “Brenda”.


Money orientou os pais de que deveriam educar “Brenda”como menina, agindo como se a criança tivesse nascido com o sexo feminino, sem mais falar do que lhe tinha ocorrido de fato.


Os pais de Brian-Brenda não sabiam, mas Money - um psicólogo nascido na Nova Zelândia no seio de uma família regida por rígidos preceitos protestantes - era conhecido como uma espécie de guru da sexualidade e preconizava comportamentos sexuais ousados, embora que compatíveis com o espírito da época nos Estados Unidos, quando vigorava o protesto contra o Viet-Nam, o movimento hippie questionava tradições culturais arraigadas e o movimento feminista explodia com grande radicalidade. Money defendia os casamentos “abertos”, nos quais os cônjuges poderiam ter amantes com consentimento mútuo; estimulava o sexo grupal e bissexual, além de, em momentos mais extremados. parecer tolerar o incesto e a pedofilia.


O interesse de Money no caso de Brian não poderia ser maior. Como defendia a idéia de que as diferenças de comportamento entre os sexos eram decorrentes de fatores socio-culturais e não biológicos (nature versus nurture) - tese aclamada pelas feministas de então -, a mutilação de Brian oferecia-lhe uma excelente oportunidade de colocar à prova sua teoria. Havia - em sua opinião - a indicação para a mudança cirúrgica de sexo, os pais tratariam a criança conforme sua orientação e o experimento teria uma contraprova natural, pois havia um irmão gêmeo idêntico, univitelino, que serviria de controle.


Money tinha anteriormente colaborado nos procedimentos pioneiros de “realinhamento sexual” (sex reassignment) em crianças com hermafroditismo. Brian foi a primeira criança nascida normalmente (com definição sexual masculina) a ser submetida a esse processo.


A acreditar nos vários relatos que Money publicou no correr dos anos 70, a experiência teria sido um grande sucesso. Os gêmeos estavam felizes em seus papeis estabelecidos: Bruce era um menino forte e levado; “Brenda”, sua `irmã’, era uma doce menininha. Em função dessa experiência, Money ficou mais famoso. A revista TIME dedicou-lhe uma longa matéria e o incluiu num capítulo sobre gêmeos em seu famoso livro Man & Woman, Boy & Girl.


Como inexplicavelmente deixou de publicar as evoluções do caso, o fato chamou a atenção de um pesquisador rival, Dr. Milton Diamond, da Universidade do Havaí, que procurou informações e reconstruiu a verdade sobre o mesmo, publicando-o num artigo em co-autoria com Keith Sigmundson, nos Archives of Pediatrics and Adolescent Medicine.


A verdade descrita por Diamond era muito diferente da versão sustentada por Money. Desde os dois anos, “Brenda” rasgava suas roupas de menina e se recusava a brincar com bonecas, disputando com o irmão Bruce seus brinquedos. Na escola, era permanentemente hostilizada pelo comportamento masculinizado e pela insistência em urinar de pé. Queixava-se insistentemente aos pais por não se sentir como uma menina. Mantendo as orientações de Money, os pais diziam-lhe que era uma “fase” que logo superaria.


Os pais levavam periodicamente os dois filhos para sessões de “psicoterapia” com Money. Segundo consta, tais sessões foram profundamente traumáticas para ambas as crianças. Nelas, possivelmente num esforço de estabelecer as diferenças de comportamento sexual entre homem e mulher, Money lhes mostrava fotos sexuais explícitas e teria feito as criançs encenarem posições de coito. Esta última afirmação é rebatida por defensores de Money, que a vêem como produto de “falsas memórias” por parte das crianças. Esses defensores alegam que toda a conduta de Money deve ser entendida no contexto cultural e médico da época, já que - na ocasião - as técnicas de reconstrução artificial do pênis eram inexistentes ou rudimentares.


Quando “Brenda” tinha 14 anos, não agüentando mais a situação, os pais consultaram um psiquiatra de sua cidade, que sugeriu dizer toda a verdade para “Brenda”. Tal informação teve um efeito profundo e transformador. Posteriormente, “Brenda” disse: “De repente, tudo fazia sentido. Ficava claro por que me sentia daquela forma. Eu não estava louco”.


“Brenda” imediatamente se engajou numa busca do sexo perdido. Fez inúmeras cirurgias para fechar sua vagina artificial, recompor a genitália masculina com a implantação de próteses de pênis e testículos, retirar os seios crescidos a base de estrógenos, além de iniciar tratamentos hormonais para masculinizar sua musculatura. Significativamente, não retomou seu nome inicial “Brian”, escolhendo chamar-se “David”.


Nesse ínterim, a mãe, que se sentia culpada e desorientada com a situação da “filha”, tinha entrado em depressão e, a certa altura, tentara suicídio. O pai desenvolveu um alcoolismo grave e o irmão gêmeo Bruce, começara a usar drogas e a praticar atos delinqüenciais ao atingir a adolescência. “Brenda”, agora “David”, apesar de todas as cirurgias e da nova identidade masculina, mergulhara também numa séria depressão e tentou suicídio pela primeira vez aos 20 anos.


Quando tinha 30 anos, David foi encontrado por Diamond, que, como dito acima, desconfiara do motivo que levara Money a interromper, sem maiores explicações, o relato de um caso que reputava de tanto sucesso. David soube que, até então, seu caso era mundialmente conhecido, apresentado na literatura médica como um grande sucesso e usado para legitimar procedimentos de alteração cirúrgica de sexo em crianças hermafroditas ou que sofreram algum tipo de mutilação. Tal como Diamond e Sigmundsen, David ficou indignado com tal impostura, e resolveu colaborar com aqueles dois profissionais, dando origem ao trabalho que recolocou a verdade em circulação, engajando-se numa campanha para evitar que outros passassem pelos mesmos sofrimentos que ele tivera de suportar. O trabalho de Diamond foi largamente divulgado e chegou à grande mídia, jornais e televisões norte-americanos.


Foi assim que John Colapinto, redator da revista Rolling Stone, tomou conhecimento da vida de David. Tendo em vista entrevistá-lo, Colapinto procurou David e desse encontro surgiu a idéia de escrever sua biografia, que tomou o nome de As Nature made him - The Boy who was raised as a girl. Os lucros da publicação foram divididos meio-a-meio entre Colapinto e David, assim como sua venda para o cinema, já que o livro despertou o interesse do diretor Peter Jackson de Lord of the rings (“O Senhor dos Anéis”). No momento, o estúdio Dreamworks de Spielberg, desenvolve um projeto para futura realização.


David se casara com uma bondosa mulher que o suportou por 14 anos. Cansada de seu caráter soturno, melancólico, ela propôs a separação. Poucos dias depois, David foi matou-se com um tiro. Estava com 38 anos.


Outros elementos poderiam ter contribuído para seu gesto. Seu irmão Bruce, com quem estava brigado, se suicidara dois anos antes, com uma overdose de medicação para esquizofrenia, um diagnóstico que lhe haviam dado. Além do mais, David perdera todas suas economias advindas dos direitos autorais de sua biografia e futuro filme nela baseado num investimento indicado por um amigo.


É verdade que o suicídio de David Reimer poderia ser atribuído a cargas genéticas, já que sabemos da depressão de sua mãe e do grave alcoolismo de seu pai, sem mencionar o suicídio de seu irmão gêmeo. Mas é difícil ignorar o peso das circunstâncias trágicas que se abateram sobre essa família.


Diga-se que, ao ser divulgado o suicídio de David Reimer, Money, que continua como professor emeritus na Johns Hopkins University, foi procurado pela imprensa mas não quis manifestar-se.


COMENTÁRIOS


1 - A primeira observação diz respeito à conduta ética de Money. Partindo de alguns pressupostos teóricos, elabora uma hipótese sobre a organização da identificação de gênero sexual. Ao ser presenteado pelo acaso com um caso que possibilita testá-la na realidade, não hesita em realizá-la.


Até aí, parece-me que Money se comporta dentro dos limites da ética científica.


Dela se afasta inteiramente ao sonegar os dados que evidenciavam o fracasso de sua experiência e ao forjar um sucesso inexistente. Dessa forma, criminosamente induzia em erro a comunidade médica, que, desconhecendo os resultados da experiência, seria levada a aplicá-la em novos casos semelhantes ao de David Reimer.


Não fora o trabalho detetivesco de Diamond, tudo ficaria encoberto.


Os motivos que levariam Money a agir dessa forma ficam como matéria de especulação. Mas podemos afirmar que títulos institucionais importantes não dão garantia de honestidade intelectual e moral a seus portadores.


2 - O malogro da experiência de Money poderia levar à conclusão de que a definição da identidade de gênero (masculino ou feminino) depende basicamente de fatores orgânico-biologicos e genéticos. Mas essa seria uma conclusão errada. Money se equivocou ao pressupor como opostos e mutuamente excludentes os fatores culturais e biológicos, quando eles interagem sinérgicamente. Outro erro fundamental de Money foi não levar em conta a dimensão inconsiente do psiquismo humano, como veremos a seguir.


Uma primeira observação que salta aos olhos quando lemos a conduta de Money é seu descaso com o inevitável luto provocados em todos, nos pais e nas crianças, pela grave mutilação do bebê Brian. Ao invés de acolher sua depressão e ajudá-los a elaborá-la, Money faz uma proposta que tem todos os elementos de uma reação maníaca - desconsidera o impacto da perda e onipotentemente se propõe a criação de um novo bebê, não mais um menino mutilado e sim uma menina sadia. Mais ainda, aconselha que o assunto seja esquecido e acredita que os pais conseguiriam criá-la como uma menina, sem levar em conta que o fato era de conhecimento da família e seus amigos.

Como Money ignora o inconsciente e suas formações, desconhece sua decisiva participação na constituição do sujeito e de sua identidade sexual.


Teoricamente, os pais terão mais possibilidades de transmitir para os filhos uma boa identidade de gênero - entenda-se por isso uma identidade sexual conforme com o sexo biológico - tanto mais terão elaborado - eles mesmos - seus complexos de castração e de édipo. Mais os próprios pais estão satisfeitos com sua própria identidade de gênero, mais eles conseguirão fazer com que os filhos se adeqüem às suas próprias identidades de gênero. Dizendo de outra forma: a influência da educação e da cultura sobre a identidade de gênero de uma criança, não depende da deliberação consciente e voluntária dos pais e sim de seus desejos e conflitos inconscientes.


A atitude inconsciente da mãe de David Reimer sobre sua identidade sexual provavelmente era o oposto daquela das mães de travestis e transexuais descritas por Robert Stoller. A mãe de Reimer nunca teria rejeitado a masculinidade do filho e não teria aceitado tratá-lo como menina, embora externamente cumprisse com as obrigações impostas por Money. Seu desejo inconsciente era de ter um filho homem, e isso terminou por acontecer, apesar de todos os empecilhos. As mães de travestis e transexuais, como mostra detalhadamente Stoller, são mulheres que não toleram a masculinidade do filho e a destroem de várias maneiras.


Diz ele: “Vimos que um homem anatomicamente normal pode tornar-se masculino e acreditar-se homem, ou feminino e acreditar-se mulher, surgindo o resultado de ambas situações da psicodinâmica de sua família. Por volta do primeiro ano de vida, ele irá desenvolver as raízes fundamentais e aparentemente inalteráveis de sua masculinidade ou feminilidade e os processos pelos quais passou, ao invés de serem inevitáveis, serão o resultado das personalidades de seus pais e da maneira como eles se relacionam com o menino, física e psicologicamente. Desta maneira, o destino de uma pessoa pode, sob alguns aspectos, estar muito mais fora do alcance de suas mãos do que o poderia indicar o conceito usual de uma dinâmica inconsciente”.- em “A Experiência Transexual” - p.37 (grifos meus).


Em seu outro livro, “Masculinidade e Feminilidade - Apresentações de Gênero” (Artes Médicas - Porto Alegre - 1993), diz Stoller: “A identidade de gênero nuclear resulta, em minha opinião, do seguinte: I) Uma força biológica, genética (…); II) A designação do sexo no nascimento: a mensagem que a aparência dos genitais externos do bebê leva àqueles que podem designar o sexo - o médico que está atendendo e os pais - e os efeitos inequívocos subseqüentes desta designação para convencê-los do sexo da criança; III) A influência incessante das atitudes dos pais, especialmente das mães, sobre o sexo daquele bebê, e a interpretação dessas percepções por parte do bebê - pela sua capacidade crescente de fantasiar - como acontecimentos, isto é, experiências motivadas, significativas; IV) fenômenos bio-psíquicos, efeitos pós-natais precoces causados por padrões habituais de manejo do bebê (…),esse item está ligado com o III, mas é listado à parte por ênfase e para distingui-lo dos processos mentais; V) desenvolvimento do ego corporal (…)confirmando para o bebê as convicções dos pais a respeito do sexo de seu filho”. (p.30)(grifos meus).


A revista VEJA de 16/06/04 traz a notícia de um garoto alemão de 13 anos que será o mais jovem paciente a trocar de sexo por não se sentir identificado com o masculino.. Qual seria a diferença entre o desejo desse garoto, que está biologicamente habilitado para o exercício da masculinidade e dela abdica, desejando uma operação que o deixe com o sexo trocado, e o desejo de David Reimer, que tão bravamente lutou para recuperar seu sexo perdido? A possível resposta, como vimos acima, residiria no desejo consciente e inconsciente dos pais e na forma como eles encaravam o sexo desse garoto.


A rejeição consciente e deliberada por parte de determinadas mães frente a definição sexual de seus filhos é bem documentada por Stoller em seus vários casos. Historicamente, lembra o caso do poeta alemão Rainer Maria Rilke, que “foi criado exatamente como uma menina, até os seis anos, por sua mãe (e inteiramente contra os desejos de seu pai, que queria que ele fosse um soldado) para compensar a perda de uma irmã mais velha do menino, que morreu na infância. Isso é descrito com detalhes no livro Die Jugend Rainer Maria Rilke, de Carl Sieber, Insel-Verlag, 1932. (A Experiência Transexual - Robert J. Stoller - Imago - Rio - 1982). Lembramos ainda o caso de Oscar Wilde, que até os dez anos foi tratado “no que dizia respeito a roupas, hábitos e companhias” como uma menina. (Oscar Wilde, Richard Ellman, Companhia das Letras, 1987, p.27).


Voltando ao caso David Reimer, não é difícil constatar o efeito desagregador e mortífero que a mutilação acidental e a conseqüente experiência de Money teve sobre toda a família, culminando com o suicídio dos dois gêmeos.


Fonte:

http://blog.sergiotelles.com.br/2004/06/27/o-caso-de-david-reimer-e-a-questao-da-identidade-de-genero/


Publicado originalmente em Psychiatry on line – Brazil, Junho de 2004 - Vol. 9 - Nº 6, Psicanálise em debate [link].

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sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Cristina da Suécia, ícone feminista e crossdresser, inspira discussões 320 anos após sua morte

Mistério na morte e na vida

9/1/2009

Por Thereza Pires, para o Mix Brasil



A Rainha Cristina retratada em trajes masculinizados

Pelos pensamentos, palavras e obras e pelos fatos que cercaram seu nascimento, juventude, maturidade e fim de vida, a trajetória da Rainha de Cristina - mais tarde conhecida como Maria Christina Alexandra ou Conde Dohna - que governou a Suécia por 22 anos, parece a mais inverossímil das histórias.

Perfeita para inspirar autores de livros, peças teatrais, óperas e tema para estudantes de mestrado, doutorado, pós-graduação, participantes de seminários sobre sexualidade e fóruns de discussão de literatura.

Em 1931, 342 anos depois de sua morte, a história da Rainha Cristina recebeu um tratamento ficcional com as estrelas Greta Garbo e John Gilbert. Título original: "Queen Christina". Diretor: Rouben Mamoulian.

Em 1974, outro filme - "The Abdication". Baseado na peça de Ruth Wolff, foi produzido na Noruega com Liv Ulmann e Peter Finch - Swedish Film Production/Warner Brothers e direção de Antonhy Harvey.

Cristina se tornou um exemplo a ser seguido para o movimento feminista e sua personalidade crossdressing é um ícone para a comunidade transexual. O rio Christina, em Delaware (Estados Unidos), recebeu este nome em sua homenagem.

Nec falso nec alieno


"Nada falso, nada artificial" era a divisa da Rainha Cristina (1626-1689), amada filha do Rei Gustavo Adolfo II da Suécia, feminista que estava adiante de seu tempo e procurou viver como pensava. Intelectual, mecenas das artes e interlocutora de Descartes. No dia 6 de junho de 1654, farta de dez anos de reinado, abdicou solenemente em Upsala, em favor de seu primo Carlos Gustavo - que pretendia desposá-la - mudando o rumo da história, deletando a dinastia dos Vasa e assumindo, publicamente, seu amor pela Condessa Ebba Sparre.

Christina ou Kristina, depois conhecida como Maria Christina Alexandra e, em certas ocasiões como Conde Dohna, nasceu em 18 de dezembro de 1626 em Estocolmo, filha única de Gustavo Adolfo II da Suécia e de Maria Eleonora de Hohenzoller-Brandemburg. Eleonora sentia grande culpa por não haver dado ainda um herdeiro para o trono, depois de ter perdido dois bebês, sucessivamente.

O nascimento da criança real, que desejavam ser um menino, ocorreu durante uma rara conjunção astral que trouxe muita expectativa. Os astrólogos previram que nasceria um menino com inteligência excepcional.

O bebê era grande e tinha muito cabelo e os porta-vozes informaram que havia nascido um príncipe, enchendo o palácio com falsa alegria, como diria Cristina mais tarde.

O Rei Gustavo não deu a menor importância e até fezz uma espécie de piada, dizendo que a filha seria muito mais inteligente do que o normal, pois, ao nascer, já teria enganado toda a Corte.

Cristina recebeu a educação de um herdeiro: idiomas estrangeiros, arte militar, política, ciências e equitação, na maioria das vezes usando roupas masculinas. Ainda criança, mostrava uma precocidade que impressionava Descartes, que foi seu preceptor.

Gustavo Adolfo morreu na batalha de Latzen (Alemanha), em novembro de 1632.

Rei Cristina


Em fevereiro de 1633, o Parlamento declarou a jovem herdeira de 16 anos Rei da Suécia - o termo Rainha era usado para a esposa do monarca.

Durante a minoridade, a Suécia foi governada pelo regente Axel Oxenstierna, mas Cristina frequentava as sessões do Conselho de Estado, sem que nada escapasse de sua sensibilidade apurada.

Ao completar 18 anos, começou seu reinado. E começou bem. Negociou um tratado de paz entre a Suécia e Dinamarca e, com grande empenho, ajudou a terminar a Guerra dos Trinta Anos, contra a vontade de Oxenstierna que preferia continuar a luta.

A Paz de Werstfalia, em 1648, foi firmada em termos muito favoráveis à Suécia. A posse das duas margens do Mar Báltico torna o país a mais importante potência nórdica. Como tinha fina educação, Cristina entendia a necessidade da cultura, a importância de aprender. Distribuiu bolsas de estudo, comprou livros de toda a Europa, convidou pensadores, inclusive René Descartes, para que fixassem residência em Estocolmo.

A questão da sucessão


Antes de subir ao trono, a questão da sucessão já preocupava a Corte. A Rainha não tinha a menor pressa em pensar na possibilidade de casamento e rejeitou inúmeros pretendentes.Cristina era considerada meio masculinizada, tinha grande interesse em aprimorar o intelecto e amava estudar. Não tinha interesse por moda e cuidados com cabelos e usava acessórios masculinos.

Surgiram rumores sobre pretendentes, mas o objeto de seus suspiros era a Duquesa Ebba Sparre, "bed fellow" e dama da Corte. Na gélida Suécia no século 17, dos candelabros e das sombras, era comum que pessoas do mesmo sexo compartilhassem a cama, apenas para se manterem aquecidas e confortáveis, mas a atração física de Cristina por Ebba ficou evidente nas cartas de amor que lhe escreveu.

Coroada em 1650, renuncia em 6 de junho de 1654 e abdica em favor de seu primo aos 27 anos. Isso causa o fim da dinastia de Vasa, que se extinguiu com ela, que morreu sem deixar herdeiros. Depois deste ato, as mulheres foram excluídas da sucessão, lei que seria revogada em 1980 para permitir que a Princesa Victoria fosse sucessora do atual rei Carlos Gustavo.

O ato da Rainha chocou toda a Europa. As razões são discutidas até hoje, mas parece que havia uma forte aversão ao casamento. Seus conselheiros tentaram, sem sucesso, que aceitasse a proposta de casamento do primo, agora Rei.

Em Roma


Cristina, filha de um vencedor protestante da Guerra dos Trinta Anos, se converteu ao catolicismo e Roma tornou-se seu segundo lar. Começou a viajar por toda a Europa, visitou a França várias vezes. Era chamada "A Amazona", por conta de suas roupas masculinas e seus modos bruscos.

Mesmo depois de deixar o reinado, fazia manobras políticas e negociações na Polônia e em Nápoles, contando sempre com a cumplicidade de Cardeais. Quando o trono da Polônia ficou vago, em 1668, trabalhou pela sucessão, mas a perda das eleições na Polônia causou-lhe um baque.

Resolveu dedicar-se às artes e fundou a Accademia Reale, hoje Accademia dell'Arcadia - para o estudo de literatura e filosofia.

Mecenas


Cristina foi grande apoiadora das artes e tinha uma coleção de telas com mulheres em poses eróticas. Construiu um teatro no local do convento Tor di Nona, substituindo os castrati por mulheres cantoras de ópera.

Escreveu livros e discutia com vários filósofos ,entre eles Blaise Pascal e René Descartes. Grande amiga de Alessandro Scarlatti, sugeriu o tema para a ópera Pompeo (1683). Patrocinou Arcangelo Corelli, maestro que dirigiu o concerto em honra de James, da Inglaterra. Escreveu uma autobiografia e ensaios sobre Alexandre, o Grande e Julio César. Mantinha correspondência com grandes intelectuais da Europa.

A então Rainha Cristina e seu chanceler Axel Oxenstierna lançaram em 1645 a publicação Post- och Inrikes Tidningar ou PoITen, relatório das despesas relativas ao financiamento da Guerra dos Trinta Ano - considerado o mais antigo jornal impresso em papel.

Mistério

Em 19 de abril de 1689, Cristina morreu em Roma aos 62 anos, após pequena enfermidade. Contrariando seu desejo, o Papa Inocêncio XII mandou realizar uma elaboradíssima cerimônia, com cortejo de cardeais, clérigos e noviços até a Basílica de São Pedro, onde está sua sepultura. É uma das 3 únicas mulheres ali enterradas.

Segundo a biógrafa Linda Rapp, o embaixador português Antonio Pimentel foi um de seus inúmeros amores masculinos e femininos. As especulações sobre a sexualidade de Cristina ainda estão bem presentes desde o dia em que, ao nascer, foi confundida com um menino. Existe a possibilidade de ela ter sido hermafrodita.

Em 1965, o corpo foi exumado e examinado. O esqueleto parecia ser de uma mulher, mas o tempo e a retirada das vísceras e de alguns órgãos internos prejudicaram as análises de laboratório.

Linda Rapp acha que Cristina permanece um mistério, na morte como na vida.


Fonte:

Mix Brasil - Cultura GLS - Biografias

http://mixbrasil.uol.com.br/mp/upload/noticia/3_52_70732.shtml

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terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Filmes - Noite de Reis (Twelfth Night)

História baseada em uma peça homônima de William Shakespeare, também conhecida com o subtítulo de "Ou O Que Quiseres (Or What You Will)", filmada em 1996 por Trevor Nunn, que atuou como diretor teatral da Royal Shakespeare Company de 1968 a 1986, com forte elenco de atores britânicos, experientes em atuar em outras obras do autor.

Os irmãos Viola (Imogen Stubbs) e Sebastian (Steven Makintosh) são atores que divertem os passageiros e tripulantes do navio que estão embarcados com um show que mistura elementos de canto, dança e transformismo, com muito humor.

Porém, o navio é colhido por uma tempestade e naufraga. Viola e alguns outros passageiros conseguem chegar até uma praia, mas não existe nenhum sinal que Sebastian tenha escapado com vida. O local é o reino de Illrya, do Duque Orsino (ou Conde?), interpretado por Toby Stephens.

Por medo de sofrer hostilidades e pelo desejo de reencontrar o irmão, Viola resolve assumir uma identidade masculina. Ela corta os cabelos e valendo-se de sua experiência de atriz, caracteriza-se como um rapaz, adotando o nome de Cesario.

Então, Cesario consegue emprego como pajem do Duque Orsino, função da qual lhe exige algumas situações constrangedoras, como ajudar o Duque a trocar de roupa e tomar banho.

Logo Cesario ganha a confiança de Orsino, que lhe encarrega de uma missão especial: apresentar declarações de amor e pedidos de casamento à Condessa Olivia (Helena Bonham Carter), por quem o Duque é apaixonado. Porém, as coisas ocorrem diferente do planejado e Olivia se interessa muito mais pelo jovem Cesario do que por Orsino.

Além do mais, a relação do belo e educado pajem Cesario com seu amo se estreita e em muitos momentos acontece um clima de tensão homossexual entre os dois.

Para completar o quadro com um toque de irreverência ainda maior, ainda há o personagem Feste (Ben Kingsley), um misto de menestrel e bobo da corte, que rouba a cena quando aparece, com suas tiradas irônicas e mordazes.

O desenlace da história, com muitas outras surpresas, fica reservado para quem assistir o filme.

Segue aqui um video com o trailer oficial, mostrando um aperitivo de diversas cenas engraçadas e polêmicas, especialmente no tocante à identidade de Viola/Cesario:



E aqui, a primeira parte do filme, que pode ser visto na íntegra no YouTube (em inglês, sem legendas), basta seguir os links para as outras partes:



Nessa parte inicial, os primeiros dois minutos do vídeo (aproximadamente) mostram a apresentação dos irmãos Viola e Sebastian no navio, o que por si só já vale como uma bela cena de crossdressing ou transformismo.

Finalmente, o link para a ficha completa do filme no Internet Movie Database (IMDb):
http://www.imdb.com/title/tt0117991/

Agora com torrent disponível para o filme, com legendas em português, disponibilizado pelo blog Cinema Cult, nessa postagem (atualizado em 06/07/2013):
http://cinemacultdownloads.blogspot.com.br/2013/07/noite-de-reis-twelfth-night-1996.html
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domingo, 4 de janeiro de 2009

Travesti vence preconceito e é a 1ª pessoa nessa situação a fazer doutorado

04/01/2009 - 09h02


KAMILA FERNANDES
da Agência Folha, em Fortaleza

Desde os nove anos, João Filho Nogueira de Andrade sofre preconceito por ser "diferente". Agora, aos 31, para compreender essa rejeição, João Filho -ou melhor, Luma Andrade, como prefere ser chamada- ingressou no doutorado em educação na Universidade Federal do Ceará, tornando-se, oficialmente, o primeiro travesti a alcançar esse nível da carreira acadêmica no país, de acordo com a ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais).


Luma também é servidora concursada do Estado, na Secretaria da Educação. Coordena 28 escolas em 13 municípios do interior do Ceará.


A função permite que ela intervenha em casos como o de uma diretora que chamou os pais para reclamar que o filho era gay e de outra que queria impedir a entrada de alunos travestis que usassem batom.


"Falei que isso não era certo, que era imoral. É preciso que entendam que a própria Constituição garante o direito de todos à educação, sem discriminação", disse Luma, que sempre viveu em cidades do interior. Hoje, mora em Russas (165 km de Fortaleza).


Preconceito


O caminho de Luma, de acordo com ela mesma, tem sido bem diferente do vivido pela maioria dos travestis. Filha de analfabetos pobres, ela disse que já chegou até a receber convites para "fazer programas", mas que decidiu estudar para ajudar a família.


A primeira dificuldade enfrentada por ela foi na terceira série, quando, por só brincar com meninas, apanhou de um colega da sala. "Quando fui chorando contar para a professora, ela virou e disse: "Bem feito, quem manda você ser desse jeito?" Eu era uma criança, mas percebi, então, que ela me via diferente e que me condenava."


Gracejos e pequenas agressões cometidas por colegas a acompanharam em todo o seu percurso escolar, o que só diminuía perto das provas, quando a procuravam para que ensinasse matemática.


Formada em ciências, com habilitação em biologia e química, pela Universidade Estadual do Ceará, Luma também sofreu para conseguir ser professora. Um diretor, segundo ela, ficou um mês a espiando dar aulas, enquanto outro tentou impedir sua posse, apesar das boas notas no concurso.


Entre os alunos, também há reações de estranhamento. "É sempre um choque quando chego. Daí tento mostrar que tudo bem, sou um travesti, mas sou, acima de tudo, um ser humano, com valores."


Luma lembra que viveu um de seus piores momentos quando entrou numa escola em Tabuleiro do Norte (211 km de Fortaleza). "Entrei na quadra e começou um coro dos alunos: "Veado, veado". Cheguei a ficar com um desespero, mas vi que não podia sair, que eles não tinham culpa, e então comecei um discurso para mostrar que não importa o que cada um é."


Para Luma, o preconceito reproduzido no ambiente escolar acaba por afastar os jovens travestis da sala de aula, condenando-os muitas vezes às ruas.


Para entender esse processo de exclusão social, ela começou a pesquisar, para a sua tese, casos de travestis que freqüentam escolas públicas. Ela deve concluir o doutorado até 2012.


Fonte: Edição Online da Folha de São Paulo

http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u485921.shtml

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